Marraquexe e o Atlas

02-06-2023

A cidade vermelha aos pés do Atlas, bem no centro de Marrocos.

Finalmente Marraquexe! Marrocos sempre me fascinou e há muitos anos que desejava visitar a cidade vermelha. Fundada em 1070-72 pelos Amoravidas, foi o centro político, económico e cultural durante muitos anos e é uma agradável surpresa para quem, como eu, adora o contraste de culturas ancestrais.

Apesar de ser o destino mais visitado, Marraquexe não é a capital  do país, essa é Rabbat, mas Marraquexe é sem dúvida um dos lugares mais fascinantes que já conheci tendo em conta a sua genuína cultura, arquitetura e o seu singular povo.

Eu já sabia que os marroquinos em geral e os vendedores nos souqs eram bastantes persuasivos quando sentem uma oportunidade de negócio, mas também já sabia da sua grande simpatia, simplicidade e trato em geral, pois esta não foi a minha estreia em Marrocos.

No entanto e como quase 98% da população marroquina é muçulmana, tive em consideração este facto ao escolher precisamente a altura do Ramadão para esta viagem. Assim optámos por usar roupas que cobriam as pernas e os ombros, principalmente para as mulheres. Vi, no entanto, turistas que não tiveram a mesma preocupação mas eu senti que estava a respeitar as tradições e ter bom senso pode ser a chave para  o sucesso e isso é o mais importante...


Hotel

A 15 minutos de carro da agitada praça Jemaa el-Fnaa e com vistas para o Atlas fica o Iberostar Club Palmeraie Marraquexe. Este agradável hotel de jardins cuidados combina uma arquitetura moderna com um estilo tradicional e foi a nossa escolha para carregar baterias entre passeios em Marraquexe e o Atlas. 

Os tons quentes laranja do hotel contrastam com o azul do céu, o verde das palmeiras e o branco dos cumes nevados das montanhas, dando um ar exótico ao local. Por aqui fazem-nos sentir em casa e todos são bastante prestáveis.

A piscina logo de manhã fica cheia de toalhas a marcar os lugares, ao género das Caraíbas, mas a nós pouca ou nenhuma diferença fez porque o objetivo era rumar ao centro e conhecer, entre ruas e ruelas, a cidade que um dia já foi a capital do reino de Marrocos.

Embora Marrocos seja um país maioritariamente muçulmano, neste hotel não temos as limitações que a religião impõe e por isso a alimentação não foi um problema. E por isso cada dia desta viagem nasceu com um belo pequeno almoço, onde nada faltou antes de enfrentar a agitação típica deste local...


Marraquexe

As muralhas de argila vermelha circundam a medina e estendem-se por 19 km. São elas que dão o apelido de Cidade Vermelha a Marraquexe. A mesquita el Koutoubia é o centro da cidade e daqui até à praça Jemaa el-Fna é um saltinho, entre carroças, músicos, encantadores de cobras e vendedores de sumo de laranja que gritam ao despique para chamar a atenção dos turistas...

A cidade em si tem também uma parte mais nova onde existem bons e modernos hotéis, centros comerciais, lojas de produtos de luxo e onde bastantes franceses abastados mantêm casas que ocupam durante uma parte do ano. Sendo esta uma zona mais exclusiva e bem cuidada não é ela certamente que faz tanta gente visitar Marraquexe...

Já a parte velha da cidade essa sim parece que parou no tempo, mas mantém uma dinâmica viva que só aqui podemos experimentar. Nenhum monumento me impressionou particularmente, sendo que o que é extraordinário é a cultura em si, tão rica e diferente do que nós somos. Entre a Mesquita Koutoubia e a praça Jemaa el-Fna são poucos metros e é aqui o centro do mundo, para onde todos caminham e onde o contraste é mais evidente.

Túmulos Saadianos

Perto da mesquita Moulay el Yazid as filas são grandes mas mesmo assim conseguimos ver os Túmulos Saadianos, perto do bairro judeu. São sepulturas que datam da dinastia Saadiana, quando era sultão Ahmad Al Mansur (1578-1603). Estes, mantiveram-se na obscuridade até 1917, quando foram descobertos. Aqui há dois mausoléus com vinte e quatro túmulos, incluindo o do próprio Ahmad Al Mansur.

Palácio Bahia

O palácio Bahia, foi construído no século XIX e o seu proprietário, o Grão-vizir Si Moussa, pretendia que o palácio fosse o mais opulento possível. Infelizmente apenas uma pequena parte dos mais de cento e cinquenta quartos do palácio estão abertos ao público e todas as suas salas estão vazias. O palácio fica no interior da Medina de Marraquexe, muito perto do bairro judeu e é talvez o monumento visitável mais bem conservado da cidade.

Bairo Judeu

Mellah (bairro judeu)

O bairro judeu, ou Mellah, de Marraquexe (atualmente Hay Salam ou "bairro da paz") testemunha a permanência pacífica deste povo por aqui depois de terem sido expulsos da Península Ibérica, no século XV. É uma zona típica e com muito comércio muito perto do palácio da Baía e que me impressionou. É interessante caminhar pelas suas ruas e,  mesmo sentindo que é uma das zonas mais pobres da cidade, é bastante genuína. Hoje em dia, a comunidade judaica em Marraquexe é reduzida, visto que muitos rumaram a Israel após a sua fundação.

Mesquita Koutoubia

A Mesquita Koutoubia, construída em pedra de arenito rosada típica da cidade, surpreende pela sua beleza e dimensão sendo a maior mesquita de Marraquexe. Foi inicialmente construída em meados do século XII mas no local já antes existia uma construção ainda mais antiga. O seu minarete eleva-se a 77 metros de altura e ainda hoje é a estrutura mais alta da cidade.  A sua arquitetura serviu também de modelo para a Giralda de Sevilha e para a Torre Hassan em Rabat.

O seu nome significa Mesquita dos Livreiros, pois existiam por aqui imensos vendedores de livros "kutubiyyin" quando ela foi construída.

Medina

Os Souks ou mercados tradicionais da Medina de Marraquexe localizam-se todos no centro da cidade velha e podem ser facilmente visitados entrando pela praça Jemaa-el-Fna. Aqui reúnem-se milhares de  artesãos e é ponto obrigatório para quem visita a cidade. A regra é regatear e sem pressas, pois todos esperam conseguir o melhor negócio. Nos Souks, podemos encontrar de tudo e estão divididos por zonas de acordo com as mercadorias, tecidos, metais, couros, especiarias, etc.

Ao contrário de Fez, por aqui o passeio na Medina pode ser feito sem guias pois é completamente seguro!

Praça Jamaa el Fna

Esta praça é o centro do mundo em Marraquexe e transborda energia e animação quase vinte e quatro horas por dia mas é à noite que se transforma em algo surreal.

Quando o sol se põe uma nuvem de fumo ergue-se na praça e a essa hora já foram montados os restaurantes improvisados que todos os dias se erguem de forma improvisada, onde antes nada existia.

Foi aqui que a cidade nasceu em meados do século XI, e era precisamente neste local que executavam os condenados à morte. Na praça, há carroças e cavalos e existem os encantadores de serpentes, os contadores de histórias e os macacos, há mulheres a fazerem tatuagens de henna, há dançarinos misturados com malabaristas, há vendedores de chá, frutas, cuscus, músicos e outros personagens que vagueiam num festival de cor, sons e aromas.

Esta zona de Marraquexe merece ser visitada durante o dia e depois à noite para podermos apreciar como se transforma, mas continua a receber gente de todos os cantos.


Vale de Ourika

Ao visitar Marraquexe não se pode deixar de visitar o Atlas devido à sua proximidade com a cordilheira que se eleva a mais de 4 mil metros de altitude e se estende por mais de 2.400 quilómetros através de Marrocos, Argélia e Tunísia.

Ourika

E assim lá fomos nós na companhia de um guia local até Senti-Fatma, a última localidade que se consegue aceder e onde acaba a estrada. São cerca de 40 quilómetros que demoram cerca de uma hora a percorrer. À medida que nos aproximamos da montanha, a paisagem vai mudando e os campos com grandes olivais dão lugar a um vale bem definido onde algumas casas parecem testar a gravidade, tal o local onde foram construídas.

Setti-Fatma é uma espécie de estância balnear para os marroquinos. Aqui no verão quando o calor aperta, o rio Ourika de águas frescas provenientes do degelo, desce da montanha e serve para famílias inteiras se refrescarem. Nos restaurantes a céu aberto, são cozinhados os pratos típicos marroquinos.

É a partir de aqui que sobem os trilhos que permitem visitar as famosas cascatas do rio Ourika. Nós sem saber exatamente ao que íamos, lá fomos subindo com o nosso guia. A zona tem uma população de macacos que dizem ser da mesma família que existe em Gibraltar e na Argélia, mas não vimos nenhuns. Visitámos ainda 2 cascatas mas sentirmos que não era aconselhável insistir em continuar, pois além de não estarmos equipados com calçado ou roupa adequados a escaladas, mandava o bom senso não correr mais riscos do que os necessários... pois a inclinação do percurso tinha zonas que testavam a nossa coragem. LOL

Tivemos de nos ajudar uns aos outros e só assim foi possível concluir o trajeto sem sarilhos... mas valeu a pena.

O prémio foi uma magnífica vista panorâmica sobre todo o vale e sobre a aldeia.

Visitámos ainda uma farmácia Berbere, onde pudemos ter uma aula de medicina natural onde nos foi mostrado todo o tipo de ervas, chás, sabonetes, cremes e óleos para todo o tipo de necessidades... Também nos apresentam todo o tipo de especiarias usadas na culinária marroquina como a curcuma, açafrão, cominhos, pimenta, gengibre, noz-moscada, canela, funcho, paprica e outros. O difícil é sair sem levar um pacote de qualquer coisa...

Tivemos também a possibilidade de visitar uma cooperativa artesanal de óleo de Argão, administrada por mulheres e onde podemos observar as  diferentes fases da sua produção tradicional.

Este famoso óleo,  muito procurado por laboratórios de beleza de todo o mundo, é utilizado há séculos pelas mulheres Berberes devido às suas propriedades cosméticas e culinárias excecionais.

Este passeio contrasta com a agitação de Marrakech . O vale de Ourika tem uma série de douars (aldeias berberes) e é o refugio para enfrentar o calor sufocante tão característico de Marraquexe.

À medida que o dia foi avançado e a temperatura foi subindo, a corrente do rio também foi aumentando resultado da neve que derretia agora mais rapidamente. Os trilhos feitos de pedras dentro do rio por onde antes tínhamos passado deixaram de estar visíveis e com isso impossibilitaram naquele dia que mais alguém pudesse escalar a montanha.

No entanto, por aqui, a vida corre com a mesma velocidade e ninguém parece ficar muito preocupado. Os vendedores e guias concentram-se na aldeia e convivem com os turistas sempre de sorriso fácil.


Ao final do dia regressámos a Marraquexe parando ainda em alguns locais onde pudemos apreciar o artesanato local muito rico e onde pudemos ainda assim apreciar a montanha agora vestida com os magníficos tons de fim de tarde.


E por fim o regresso, desta vez a Sevilha, de onde tínhamos iniciado esta viagem. Fica para a memória uma viagem muito enriquecedora culturalmente.